Meu Diário
23/11/2017 23h33
A viagem que ainda não terminou

Quanto vale a propriedade intelectual?

A senilidade se percebe pelo declínio gradual de todos os sistemas do corpo: cardiovascular, respiratório, genital, urinário, endócrino e imunológico. Está assim descrito na busca da Wikipedia. De forma comum e popular, é tida como um estado decrépito, no sentido de que, estando em idade avançada e levando em conta o que envolve todo um histórico precedente, dos quais o estresse é fator determinante, porém, essa condição não se retrata na sua atividade diária em todos, não é uma regra, portanto.

Há aqueles que mantém sua capacidade cognitiva e habilidades normais em tarefas corriqueiras sem danos. O fato é, nascemos crianças e chegamos à velhice como crianças. Observando meu amigo, tio de minha esposa, noto esta particularidade tanto pela descrição quanto pela exceção. Em situações diversas do dia a dia, as perguntas se repetem inúmeras vezes. Aquilo que parecia explicado, necessita nova orientação e com a mesma atenção como se fora a primeira vez. Entre uma fala e outra, a dúvida. Ao sair, o medo. Uma referência, a companheira. Sem ela as coisas se complicam; a toalha some, o chinelo desaparece, o interruptor de luz nunca está no mesmo lugar. No entanto, a conversa flui ainda que nostálgica, na sua maioria de caserna, lúcida, macia e farta. Uma distração, o compromisso com as cruzadas. Na caça às palavras o dia passa a noite é de fato uma criança. Isso é uma das atividades que o mantém em seu mundo de ideias. Varrer o jardim, essa tarefa me foi tirada, é a maneira pela qual eu encontro muitas das frases, crônicas inteiras quando estou absorto nessa tarefa, no entanto, sua disposição para tal é tamanha que não me atrevo a contrariá-lo.

Nesta próxima terça-feira, 28, chega um compadre dele, meu sogro. Essa amizade rendeu muitas aventuras num passado recente. Certamente as lembranças aflorarão e teremos bons motivos para boas gargalhadas. Recordo-me certa vez, ele me ofereceu uma carona, tinha um Chevrolet Caravan, azul piscina ou algo próximo desse tom, no caminho ele me falou com ar de superioridade e certeza, sabe de uma coisa Luiz, esse carro quando passa impõe respeito nos outros, ele é grande, vistoso, se destaca. Como discordar de uma opinião, uma preferência impar e pessoal? Concordei e seguimos chamando a atenção de quem passava, por nós, naturalmente. Ele dirigia bem devagar e o motor já não tinha o mesmo torque dos carros mais novos. Dele também há um bordão que mudou a letra de uma cantiga de roda, que na infância de muita gente fez coro em uníssono. Dona chica! Atirei o pau no gato, (e neste ponto ele parava, ficava dois segundos em silêncio e concluía) ... e o gato comeu! Dizia isso sempre que queria chamar a atenção para um determinado fato e de maneira sarcástica, era para entender que, ele jogou o verde e colheu o maduro, ou que, a carapuça serviu em quem de direito. Hoje sua rotina é lenta, porém, continua, assertiva naquilo que o impressiona e desperta. Não tem muitas expectativas, pelo menos é o que demonstra. Indagado se havia se arrependido de algo que pudesse ter feito ou deixado de fazê-lo, não demorou para concluir que – Eu tenho certeza de que fiz do jeito certo, nada de errado naquilo que eu tracei, entrei para o quartel, dos meus irmãos eu fui o único que seguiu carreira, todos serviram, mas só eu fiquei. Não sou bobo nem nada. Meu pai era Carpinteiro, minha lavava roupas para fora, erámos pobres, o negócio era seguir a carreira militar, um baita emprego! Quando temos a chance de conversar com alguém mais velho, mais experiente, devemos agradecer a Deus pela oportunidade, são histórias, causos, lembranças que certamente passaremos ou passamos e não as percebemos. Há uma relíquia intelectual importante a ser explorada e conservada.

Fico muito contente em conversar com ele e poder de alguma maneira auxiliá-lo em tarefas simples e corriqueira que por vezes ele demonstra uma certa dificuldade, como quando me pergunta não uma, mas três ou quatro vezes, onde é que acende a luz do quarto onde estão as malas. Ou se o banheiro dos fundos está certinho para tomar banho, se a água está no morno. Mas se dispõe de boa vontade e rapidez para auxiliar na arrumação das coisas, a mesa do café, do almoço, recolher as coisas que ficam para fora, cadeiras, almofadas, vassouras, enfim, tudo naturalmente.


Publicado por LuizcomZ em 23/11/2017 às 23h33