Textos


Pensionato

Pela manhã fazendo o café de todos os dias, me peguei pensando na maneira como minha avó adoçava o café com leite que me fazia todas as vezes que saia do Colégio Joaquim Murtinho na Afonso Pena, ia direto para a casa dela, fazia o trajeto no automático. Dona Vitória D’Lamônica Campos, avó paterna. Ela e as filhas Landa e Maria Luiza tocavam um pensionato, hoje esse conceito é apenas para designar um estabelecimento destinado a jovens estudantes em período de estudos ou em trânsito breve na conclusão de cursos e treinamentos. Landa ainda tinha como atividade a habilidade de cabeleireira e manicure além dos afazeres para manter o atendimento na pensão; Maria Luiza era funcionária pública e em breves momentos ou nos finais de semana sempre ajudava minha avó. A vó Vitória preparava meu café com leite e no instante de adoçar, ao contrário da maioria das pessoas, ela o fazia com a colher indo e vindo no sentido horizontal, e não em círculos. Eu preferia que fosse em círculos pois, achava que assim ficaria mais doce. Nunca questionei ou pedi para que mudasse seu modo de adoçar, embora, depois eu sempre dava uma reforçada do meu jeito. Achava legal e respeitava a maneira dela. Além do que, ao adoçar, ela ficava me olhando  no canto da cozinha de frente à geladeira e abaixo da janela, tinha em seu olhar a doçura que só as avós tem. Esboçava um sorriso suave e de uma ternura tão marcante que nada tem preço semelhante. A cozinha não media mais que uns vinte metros quadrados, retangular e com uma janela em cada extremidade; a porta que dava para o corredor dos quartos e da sala, dava para os fundos onde havia uma varanda em que ficavam algumas mesas com bancos e cadeiras, era o restaurante da casa. Servia para atender aos funcionários públicos da Câmara de Vereadores ou Assembleia, além de alguns tantos que trabalhavam ali por perto. Recordo certa vez, ela cortando uma ‘abobrinha’ para fazer um picadinho de carne, perguntei se aquelas não seriam as mesmas que ficavam
penduradas na cerca no fundo
do quintal, ela olhou e com
aquele sorriso calmo e
singelo, quase matreiro, disse:
- Mas, somente as novinhas!
Fiquei um bom tempo sem comer
abobrinhas. Até onde eu sabia, aquilo pendurado na cerca eram buchas
vegetais. Fiquei com essa dúvida e
sem resposta até hoje.
Entre os hóspedes, eram poucos,
havia um branquinho de olhos azuis,
tão azuis que pareciam bolitas, iguais
às que usava para jogar ponto com
os meus amigos em Ponta Porã.
Esse inquilino era diferente, tinha
algo de especial, muito educado,
gentil, atencioso e prestativo.
Trabalhava na prefeitura, salvo
engano, mais tarde vim saber,
passou num concurso público como
técnico em radiologia. Deste jovem,
uma certeza, é hoje exatamente o
que a impressão causava, com
alguns itens evoluídos; tornou-se um
pintor de raro talento, marido,
cunhado, pai e recentemente avô.
Boas lembranças daquele tempo.
O nome do branquinho de olhos
azuis?
Luiz Marchese.
https://www.facebook.com/luiz.marchese.3


A foto que emoldura este texto, é uma das obras de Luiz Marquese, ganhadora da medalha de bronze no salão de abril de 2013 em Campo Grande, denominada "PAPOULA'. Lembrança de uma visita à Grécia.
LuizcomZ
Enviado por LuizcomZ em 28/06/2015
Alterado em 28/06/2015


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