Textos


Que são issos?


Quando se vive num país como o nosso Brasil, é
preciso entender o outro ‘brasil’ que existe em paralelo.
É preciso conviver com certas aberrações que só
mesmo o ‘tal jeitinho’ brasileiro consegue tornar essa
convivência possível. Distorções e disparidades que
somadas transfiguram-se em verdadeiros absurdos.
E o que é exatamente, ‘que são issos?’ – ouvi essa
pergunta de um ancião que passava, ladeado a mim
em frente a uma loja de eletrodomésticos, exatamente
no momento que se ouvia a notícia em um dos
inúmeros televisores ligados naquele momento.
Era mais um aumento aprovado pela câmara federal
com respaldo do senado. Ao final daquele feriado
prolongado entraria em vigor; ao que o ancião
exclamou:
- ‘É o preço do gás de cozinha, do pão, do leite, o
passe do ônibus. Mas que são isso?’
Vai daí, resolvi dar vazão ao lamento daquele idoso.



É o aumento da luz, da água, é o racionamento.
É a taxa de anuidade, do condomínio,
da escolaridade, de IPTU, de IPVA.
Mas que são issos?
É o preço da gasolina, do asfalto, da insulina.
É a taxa de permanência na fila do INPS.
Aqui, ali, em todos os quadrantes.
Mas que são issos?
É a vida apodrecida, carcomida,
Pela sobrevida, pela casa própria, pela vida.
Mas que vida tão cara, tão barra, tão sofrida,
tão comovida, tão ferida.
Mas que são issos?
São reuniões, palestras, muita festa, parlamentos,
só lamentos, regada a 12 anos envelhecidos.
E qual o resultado?
Nada de novo, tudo medonho, cheirando a malogro.
E que vida é essa?
Tão tétrica, que povo mórbido, de olhar patético
e jeito esquelético.
A quem recorrer?
Aos de sempre.
Essa sina eterna do toma lá da cá.
Do rouba mas faz.
Mas que são issos?
São tudo, são tantos, são poucos, são muitos.
E como ficamos?
Como no norte nordeste, a comer tapioca
ou a morrer subnutrido como na Etiópia.
Ficamos no mesmo.
Com os nervos à tona.
Andando a esmo, na lona.
Mas que são issos?
Vê alguém?
Os de sempre.
Todos em seus aposentos, causando
tantas perdições, perdularidades...
E o que falta afinal?
Se não me oponha?
Vergonha!
Ora, e com quem contamos?
Com surdos que ouvem,
Com cegos que veem,
Com ratos de ternos,
Com seus salários altos,
E endereços que levam ao planalto.
Mas que são issos?
Absurdos!


*Texto escrito em Junho de 1991"

em 28/10/14... De lá para cá, houve uma mudança, o SUS no lugar do INPS.

LuizcomZ
Enviado por LuizcomZ em 14/05/2008
Alterado em 14/02/2023


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