Meu Diário
19/11/2018 02h01
O livro dos amigos e conhecidos - #3

Vitória
Recordo-me de que ela tinha para comigo um carinho especial, talvez pelo fato de morar muito próximo e viver enfiado na casa dela, ou porque havia de fato uma empatia muito grande entre nós dois, ela concedia a mim coisas e benesses que a nenhum outro neto eram dadas. Minha avó paterna tinha um olhar meigo e o sorriso suave, quase que um leve afrouxar da musculatura facial, algo singelo, porém, emblemático. Era com esse sorriso suave que me recebia, um sorriso de vó. Mesmo quando eu pegava as samambaias enormes segurando numa das pontas e com o indicador e o dedão, numa velocidade constante deslizava de cima à baixo para ver e sentir o estalar miúdo de suas folhas se desgrudando do talo fazendo um amontoado na beira do xaxim, ainda assim ela não conseguia dar a impressão de que estava descontente, e menos ainda zangada. Sempre tinha um bolo, um doce guardado para quando eu chegasse. Certa vez, entre tantas, o bolo ainda estava no forno, pedi um pedaço e ela me disse que estava quente. Insisti novamente e ela me falou, - Bolo quente faz mal. Perguntei, de que tipo? Dá dor de barriga, respondeu. Ah! então pode me dar, se der dor de barriga eu vou no banheiro. Ela soltou um gargalhada como poucas. Algumas vezes ela me dava umas moedinhas, eram suficientes para comprar uma lata de leite condensado moça, não havia outras marcas, isso em 1962, e a mercearia ficava na esquina da mesma quadra.  Lá ia eu todo faceiro. Na volta passava direto pelo corredor de acesso ao quintal, subia num pé de goiaba e já com a lata furada em dois pontos, de um lado para beber e do outro para o ar sair, chupava até dar cócegas nos cantos da boca próximo à garganta. Que delícia! Mas isso me causou uma alergia, ou algo do tipo, fiquei bem uns dez anos sem poder ver a lata nas prateleiras dos mercados que já me coçava a garganta. Uma das coisas que mais eu gostava era de chegar na casa dela e pedir café com leite, pão e manteiga. A maneira como ela adoçava a xícara era diferente de todos os outros. Ela dava apenas meia volta na xícara, não completava o giro, levava a colher de um ponto até a metade e voltava de ré, não fazia o redemoinho. Achava isso engraçado e perguntava porque ela não fazia como todo mundo, girando por completo, ela não respondia, só me olhava e sorria. Isso se repetia sempre. Muito bom lembrar dela.


Publicado por LuizcomZ em 19/11/2018 às 02h01