Vitória
Recordo-me de que ela tinha para comigo um carinho especial, talvez pelo fato de morar muito próximo e viver enfiado na casa dela, ou porque havia de fato uma empatia muito grande entre nós dois, ela concedia a mim coisas e benesses que a nenhum outro neto eram dadas. Minha avó paterna tinha um olhar meigo e o sorriso suave, quase que um leve afrouxar da musculatura facial, algo singelo, porém, emblemático. Era com esse sorriso suave que me recebia, um sorriso de vó. Mesmo quando eu pegava as samambaias enormes segurando numa das pontas e com o indicador e o dedão, numa velocidade constante deslizava de cima à baixo para ver e sentir o estalar miúdo de suas folhas se desgrudando do talo fazendo um amontoado na beira do xaxim, ainda assim ela não conseguia dar a impressão de que estava descontente, e menos ainda zangada. Sempre tinha um bolo, um doce guardado para quando eu chegasse. Certa vez, entre tantas, o bolo ainda estava no forno, pedi um pedaço e ela me disse que estava quente. Insisti novamente e ela me falou, - Bolo quente faz mal. Perguntei, de que tipo? Dá dor de barriga, respondeu. Ah! então pode me dar, se der dor de barriga eu vou no banheiro. Ela soltou um gargalhada como poucas. Algumas vezes ela me dava umas moedinhas, eram suficientes para comprar uma lata de leite condensado moça, não havia outras marcas, isso em 1962, e a mercearia ficava na esquina da mesma quadra. Lá ia eu todo faceiro. Na volta passava direto pelo corredor de acesso ao quintal, subia num pé de goiaba e já com a lata furada em dois pontos, de um lado para beber e do outro para o ar sair, chupava até dar cócegas nos cantos da boca próximo à garganta. Que delícia! Mas isso me causou uma alergia, ou algo do tipo, fiquei bem uns dez anos sem poder ver a lata nas prateleiras dos mercados que já me coçava a garganta. Uma das coisas que mais eu gostava era de chegar na casa dela e pedir café com leite, pão e manteiga. A maneira como ela adoçava a xícara era diferente de todos os outros. Ela dava apenas meia volta na xícara, não completava o giro, levava a colher de um ponto até a metade e voltava de ré, não fazia o redemoinho. Achava isso engraçado e perguntava porque ela não fazia como todo mundo, girando por completo, ela não respondia, só me olhava e sorria. Isso se repetia sempre. Muito bom lembrar dela.
Lei da Conservação
O Necessário e o Supérfluo.
Pergunta. O que pensar dos que açambarcam os bens da terra para se proporcionarem o supérfluo, com prejuízo daqueles a quem falta o necessário?
Resposta dos Espíritos. Esquecem da Lei de Deus e terão que responder pelas privações que houverem causado aos outros.
Comentários meus. Tudo tem a ver com o egoísmo e o sentimento de solidariedade.
Todos os problemas existenciais, familiares, sociais, trabalhistas e principalmente financeiros são frutos do egoísmo. Enquanto que a solidariedade não é percebida na sua amplitude, sobretudo, cristã.
O que é solidário? No dicionário há uma pequena e singela significação do termo. Compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todos. No entanto, estamos a falar da verdadeira solidariedade. Tome por exemplo a função da grama. A grama morre para servir de pasto, o alimento do gado, que por sua vez morre para ser o alimento do homem. E o homem, sua morte física alimenta o quê? É o alimento dos microrganismos que por sua vez transformam-se em novos elementos e dão vida a outras formas de vida orgânicas, plantas e animais, a própria terra se nutre e gera nova vegetação, está refeito o ciclo novamente, novos pastos, novos bois e vacas, e consequentemente, nos alimentamos do mesmo modo. Do átomo ao arcanjo. A solidariedade, portanto, vai além do compromisso em ajudar o parente ou o vizinho desalentado. É o dar sentido à existência como um todo. É saber que minha contribuição para com o próximo, envolve o todo. Se tudo é energia, tudo é partícula, então somos parte dessa cadeia universal. Já se provou pela ciência e a cosmologia, na voz de Carl Sagan, que o DNA de Deus está impregnado em tudo, são os Quarks. Essa partícula está em tudo o que se possa imaginar, ver, tocar, sentir. Estou falando, tudo! O som de minha voz, a tinta desta caneta, os teclados do netbook, a mesa em que ele está apoiado, o piso que sustenta a mesa, a cadeira em que estou sentado. O som dos pássaros no meu jardim, o barulho das ondas do mar, as ondas do mar, os anéis de saturno, as inúmeras galáxias do vasto universo possuem essa partícula. Isto é a solidariedade. A distribuição ampla e total de um bem. É nesse contexto que os Espíritos se reportam, “Olvidam (esquecem) a lei de Deus... responderão pelas privações que houverem causado aos outros”. De que outros eles estão falando? Note que não disseram deste ou daquele. O outro é tudo o que não é você. Por tudo, entendamos, qualquer coisa. Não apenas o amigo, o parente ou o vizinho. Quanto ao egoísmo, é tudo o que a verdadeira solidariedade não é. Uma boa analogia é o caso do ladrão de obras raras. Rouba um quadro importantíssimo, a Mona Lisa, digamos. Recebe por isso milhões de um comprador que nunca poderá expor o quadro sobre pena de cometer o ilícito e se declarar culpado. Qual a vantagem de ter algo tão caro, importante, requisitadíssimo e não poder expor. É o ápice do egoísmo. Subtraiu uma obra humanitária de prestígio e que deveria servir ao interesse e admiração de todos, apenas para deleite próprio e de bem poucos, que como ele, se compraz nessa prática. Onde está a satisfação, a felicidade nisso? Guardando as devidas proporções, isso é o mesmo que jogar fora o que sobrou do almoço só porque não sabemos dosar nossa saciedade, enquanto muitos estão à espera dessa sobra. Responderemos por isso igualmente.
Se hoje é quinta feira, por mais óbvio e simplório que possa parecer, ontem foi quarta feira. Hoje é 15, ontem foi 14. Pense nisso com mais amplitude. O dia de todos os Santos já passou e nem temos certeza de que no dia 1° de novembro deste mes, talvez e certamente, não há como lembrar o que fizemos durante esse dia. O temível dia 28 de Outubro, o dia em que as urnas poderiam trazer surpresas desagradáveis para uns, e trouxe, mas o medo era o de que seriam manipuladas, esse dia também já passou. E a copa do mundo de futebol no Brasil? Já vimos a França vencer a seguinte, na Rússia. E o hexa tão esperado ficará para a da Ásia. Ou não. Fico olhando para pessoas que irão passar mais um dia sem saírem de casa, não porque não podem andar ou dependam de outros para se locomoverem, mas porque não querem conhecer gente, não querem falar com gente. Gente é um universo em si. Marco Antonio, imperador Romano da Escola Estóica de Filosofia, dizia que sempre que morre um ser humano é uma perda irreparável, pois deixaremos de conhecê-lo, de saber dele, daquilo que o movia, o inspirava, aquilo que era importante para ele, o mínimo que ele sabia deixou de ser conhecido. Deixamos de interagir com pessoas que só terão a oportunidade de se mostrar se lhes dermos a chance de se comunicarem conosco. Que triste é o desperdício do dia. À noite as pessoas se recolhem à espera de repetir tudo igual no dia seguinte.
Dani
Um aperto de mão vigoroso. Não fosse pela feminilidade explícita em formas e gestos, diria tratar-se de um estivador, tal a força que impõe às mãos de quem a cumprimenta. O sorriso sempre disponivel e escancarado esconde um passado nada pueril. Desde muito cedo, dos 4 aos 12 ou 14 anos, sofreu constantes abusos sexuais. Todos de pessoas próximas e ligadas à mãe. Eram os namorados, padrastos, irmãos da igreja e os pastores, sim, no plural. Ímpios em pele de cordeiros. Sabedores que a mãe não tinha o devido cuidado com a filha e ainda fazia vistas grossas, sua casa era uma via sacra da pedofilia. Até se dar conta de que aquelas 'visitas' eram anormais, isso só foi ficando claro quando passou a participar de grupos com crianças de mesma idade e que não tinham tido as mesmas experiência que ela frequentemente se deparava, notou que para essas crianças, o assunto era proibido e as mães alertavam para que todo tipo de assédio ou investida, fossem relatadas de imediato a uma pessoa adulta, preferencialmente, mãe e pai. Passou então a indagar da mãe, que, como na maioria de casos como esses, preferem achar que os filhos fantasiam "pequenos agrados" dos adultos. Isso fez procurar ajuda na única forma que veio à sua mente, antecipar precocemente a maturidade e maioridade. O primeiro namorado, aos 16 anos, que compreendeu e se propôs a ajudá-la, saiu de casa e foi morar com o que hoje, é seu atual companheiro e marido. A compreensão e apoio do companheiro foram fundamentais para um novo ciclo em sua vida. Hoje, com a vida normalizada, frequenta uma igreja em que se prioriza os estudos com fé raciocinada, tem compaixão da mãe e não guarde mágoa ou ressentimento do passado recente.
A dor é mestre no aprendizado. É preciso que haja o atrito, sem o qual, não há impulso ou ascensão. É preciso superar as crises para que se possa crescer.
Jorge Angel Livraga, fundador da Escola de Filosofia Nova Acrópole, apregoava que, para se atingir um novo ponto, preciso é que se deixe o antigo.
Marta
Profissional de serviços gerais, uma maneira politicamente correto de se referir aos faxineiros nas empresas. A faxina e limpeza fica por sua conta. Cumpre dois horários para coincidir com o horário de maior movimento na área de atendimento. Como a vida lhe cobrou um preço alto no quesito família, foi por isso mesmo mais judiada no aspecto físico. Sua aparência denota mais idade que a fisiológica, certamente pelos dias vividos na contramão da normalidade. Separada do marido há 17 anos, justamente quando mais precisava dele, ficou com 10, dos 13 filhos, sendo que o mais velho contava com apenas 16 anos e o caçula com um ano apenas, se viu só e abandonada na difícil tarefa de criar e proteger uma família enorme. Hoje, Daniel mora e trabalha em Joinville. Dani, como é chamado, tem dos irmãos um profundo respeito e consideração pelo que fez para ajudar a mãe a criar os irmãos. Marta conta que, ainda de menor, já trabalhava como auxiliar numa construtora, ajudante de obras, e que certo dia o patrão veio até sua casa para saber porque o ajudante não havia ido ao trabalho, Marta, então, disse que o filho não iria trabalhar porque ela não tinha nada para fazer de almoço e que não deixaria o filho passar fome, e, menos ainda, desmaiar por falta de comida. Sabendo disso, o patrão proveu a situação antecipando a quinzena para que Marta pudesse abastecer sua dispensa. Todo o dinheiro que Dani recebia era dado para Marta. Para ele, separava apenas R$10,00, que se dava ao luxo de jogar vídeo game em uma locadora próximo à sua casa, e somente nos finais de semana. Dos 13 filhos, três morreram ainda bebês, criou todos com dedicação e os tem todos bem, sem envolvimento com drogas, justiça ou qualquer outra contravenção. Sempre teve a preocupação de saber o que estavam fazendo e com quem se relacionavam. Hoje tem uma vida atribulada como qualquer trabalhador e mãe, porém, tem a consciência tranquila, vive bem, está mais fortalecida e feliz. O filho mais velho, ainda solteiro, é uma benção para a família e motivo de alegria quando está com ela e os irmãos. Isso mostra que a vida é feita de escolhas, que a escolha certa, mesmo não sendo o caminho mais fácil, é o caminho reto, do compromisso com a missão que Deus espera à quem Ele destinou seus filhos para que nós, como co-criadores e fiéis depositários de sua obra mais valiosa, sejamos cumpridores de mantê-los no caminho do bem e na evolução constante à morada do Pai.
Página 12 de 63 | « 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 » | «anterior próxima» |