Textos


Viagem Astral, Desdobramento e Billie Holiday

É fácil explicar as diversas teorias sobre vidas passadas,
reencarnações, mundo paralelo.
Basta ouvir uma interpretação da Billie Holiday.
É como se estivéssemos lá, sentados em alguma mesinha.
com pouca luz, num canto qualquer, alguns copos espalhados.
Gente indo e vindo, dançando, sorridentes e felizes.
Bêbedos. Mas, felizes!
A orquestra de Teddy Wilson é algo que apaixona.
O som do trombone na faixa Twenty Four Hours a Day, de 1935,
o vocal, sempre suave e ligeiramente rouco, Billie,
andando como se não houvesse acompanhantes.
Como se não estivesse ela própria no palco.
Trompete e pistom que a procurem.
Benny Morton e Teddy Wilson flutuam ao seu encalço.
A sensação é de quem volta ao passado,
estranha saudade. Deliciosa, porém estranha.
Engraçado, ao mesmo tempo causa um vazio.
Algo inexplicável ao ouvir If You Were Mine, o sentimento
é quase de perda. Quase! Você não entende bem o que sente.
É como estar longe da família.
Esposa, filhos, quando você os tem, é claro!
Naturalmente com um forte laço de união, amor.
Recordar tempos que via meus pais dançando na sala de casa.
Impecavelmente vestido em sua calça de linho branco
barra dobrada, italianinha, 2,5 centímetros.
Caprichosamente engomada.
Cintura delineada e ágil de minha mãe rodopiando pelo salão.
Chego a me ver tocando piano num dos cantos do saloon.
Sim, no meu devaneio toco piano, sax, clarineta, não importa,
estou nesta festa alegre que é ouvir Billie Holiday.
Voz maravilhosa, entoação divina para a bela I’ll Get By.
Sinto o corpo todo evaporar, transtornado tentando entender
ao descrever todas as pessoas naquele salão.
Conversando, trocando olhares perdidos, palavras soltas
descompromissadas, ao léu!
Agora é a vez de Lester Yong acompanhá-la na
charmosíssima, Easy Living, gravação de 1937.
Seguramente, agora sei, não estou mais aqui. Estou fora,
completamente espalhado. O passeio está por terminar,
justamente com a faixa 12, Getting Some Fun Out Life,
saber que temos que retornar, contra vontade, registre-se.
É como estar diante do portão da casa de sua namorada,
sentado no beiral da varanda e o relógio insiste em
Lembrá-lo de que amanhã é segunda-feira, portanto,
hoje é domingo. Óbvio. O último ônibus passa agora,
às 23h30min, Viação São Francisco, linha Cabreúva-Centro.
Logo terei que deixá-la. O beijo é interminável.
Ou enfrentar a pé 32 quarteirões até em casa.
Quem ama, caminha. Deixa o baile seguir.
Ouço a Billie, lembro-me de você. Minha amada imortal.
Mulher e namorada ainda hoje.
Como é bom ouvir boa música e voltar no tempo. Nosso tempo.
Talvez, igual a tantos, seja apenas uma desculpa para lembrarmos
de quando namorávamos sentados na varanda da casa de seus pais.
Somente a lua por testemunha. Fora, algumas vizinhas indiscretas.
Toca o telefone. Você! Realidade chamando.
Estamos separados por 3 horas de vôo, alguns milhares de quilômetros.
Neste momento você em Porto Velho, eu em Brasília. Só mesmo a Billie!
Sabe qual é a música que rola agora? Let’s Call a Heart a Heart.
É muita coincidência mesmo para uma noite apenas. Ou então...
Têm a ver com vidas passadas, viagens astrais, desdobramentos!
Como diz a letra, Vamos Chamar de Coração a Coração


*escrito em Águas Claras – Brasília/DF, Julho de 2000.

 
LuizcomZ
Enviado por LuizcomZ em 03/06/2008
Alterado em 12/10/2021


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