O Corvo
Dia desses, minha esposa e eu fomos ao cinema.
Há anos não fazíamos isso.
Aficionados da sétima arte, a última vez, já conta uns 11 anos. Assistimos ao lançamento nacional de Nosso Lar, e para quem leu o livro, o filme peca pelo inevitável. Tempo. Colocar em pouco menos de duas horas tudo o que a obra ensina é tarefa espinhosa para os melhores roteiristas e sintetizadores de textos até mesmo de Hollywood. Compensado nas pirotecnias dos efeitos especiais, ainda teve a agravante do trabalho essencialmente teatral do protagonista. Mas, isso é na minha visão de bom espectador e não crítico de cinema.
Recordo-me agora...
"... descobri outro mundo, não é apenas um fato imaginário.
Pode acontecer aos homens. Aos animais também.
Por vezes, as fronteiras resvalam ou interpenetram-se:
basta estar presente nesse momento. Vi o fato acontecer a um corvo.
Esse corvo é meu vizinho: nunca lhe fiz mal algum, mas ele tem o
cuidado de se conservar no cimo das árvores, de voar alto e
evitar a humanidade. O seu mundo principia onde a minha vista acaba.
Ora, uma manhã, os nossos campos estavam mergulhados num
nevoeiro extraordinariamente espesso, e eu me dirigia às apalpadelas
para a estação. Bruscamente, à altura dos meus olhos, surgiram
duas asas negras, imensas, precedidas por um bico gigantesco,
e tudo isso passou como um raio, soltando um grito de terror tal
que eu faço votos para que nunca mais ouça coisa semelhante.
Esse grito perseguiu-me durante toda a tarde.
Cheguei a consultar o espelho, perguntando a mim próprio o que
teria eu de tão revoltante...
"Acabei por perceber. A fronteira entre os nossos dois mundos resvalara, devido ao nevoeiro. Aquele corvo, que supunha voar à altitude habitual, vira de súbito um espetáculo espantoso, contrário, para ele, às leis da natureza. Vira um homem caminhar no espaço, bem no centro do mundo dos corvos. Deparara com a manifestação de estranheza mais completa que um corvo pode conceber;
um homem voador...
"Agora, quando me vê, lá do alto, solta pequenos gritos, e reconheço
nesses gritos a incerteza de um espírito cujo universo foi abalado. Já
não é, nunca mais será como os outros corvos..."
(o trecho acima é do antropólogo americano Loren Eiseley)
Mostra de maneira direta e perfeitamente simples como o mundo invisível, o 'universo paralelo' se nos apresenta. Sim, ele esta tão próximo como o
personagem do trecho acima. O corvo.
A questão esta em entender que por vezes não queremos ser
descobertos em nossas visões, viagens astrais, desdobramentos.
Ficamos quietos como o nosso amigo do texto, o corvo.
Se contarmos o que vimos ou sentimos, seremos taxados
de malucos, lunáticos, freak. Isso mesmo: esquisito.
Tanto como a ilustração deste texto.
LuizcomZ
Enviado por LuizcomZ em 03/10/2010