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A tal da vida...


Uma vez ela me falou algo totalmente sem nexo.
Algo que não levava a nem um ponto em comum
com a sua verdadeira história, era fora de contexto.
Disse-me, somos moldados ao longo de toda

nossa infância para não darmos certo.
Tudo o mais é lucro.

Mostrou certa noite que as estrelas não eram e
nunca seriam na forma como nossos pais e 
professores desenhavam, com suas cinco ou
seis pontas certinhas e simétricas.

Disse também na mesma noite, que seria 
impensável a menor probabilidade de que
as sombras vistas na lua, serem rastros 
das renas de Papai Noel, simplesmente
porque Papai Noel não existe.

Ainda olhando para a imensidão do céu azul,
comentou com profunda consciência e 
narrativa precisa, que a lua nunca seria dos
namorados porque ela produz gases insuportáveis,
tornando nada romântico o ambiente.

Virando-se para o mar falou que todos os peixes
poderiam num só momento produzirem em 
conjunto um redemoinho de tal monta que,
nada ou nenhum transatlântico poderia suportar
seu movimento centrifugo e naufragariam, todos.

Disse que a beleza das flores é efêmera
por natureza (!), pois nossa necessidade em
adorá-las disfarça-se de forma predatória
e mesquinha subtraindo-as de seus caules
para sufocar-lhes até a morte completa.

Das coisas que ouvi ela me falar, sem dúvida,
as flores me deixaram um tanto despedaçado
e implorando por uma nova oportunidade em
reparar tamanha atrocidade.

Disse também que por esse motivo, cada vez
menos borboletas são vistas nas cidades e
que os campos estão ficando cada vez menores
e seus habitats já não suprem o repovoamento.

Apontou uma cachorra que cambaleava pela rua
com suas tetas todas deformadas e arrastadas,
endurecidas de tantas crias e sem nada poder
contra a matilha de cães lascivos a espreitá-la.

Que de certa forma, as incontáveis meninas que
saem de casa fugindo de padrastos e parentes
inescrupulosos, ou procurando o respeito e
afeição que lhes falta, se assemelham à vida
animalizada e desperdiçada de um cão sem dono.

Entre tantas coisas absurdas e apavorantes
a que mais me causou espanto foi a maneira
descritiva de como a distância que separa
o nascer e o morrer ficar cada
 vez menor,
embora a ciência aprove a cada dia
mais e mais maneiras de prolongá-la.

Justamente porque na contramão da ciência
vem o desrespeito pelo bom senso, pela
coerência, pela moderação. A meta é vender
mais: carros, motos, cada vez mais velozes.
E cada vez mais drogas sintéticas são
distribuídas generosamente aos jovens.

Disse que essa combinação de velocidade
com entorpecente é que nos distancia da
felicidade, do aconchego, do caminhar de mãos
dadas até o fim da rua para ver o pôr-do-sol.

Quem é ela? Quem me disse tais coisas?
Nunca saberei de fato. Ao sair deixou um rastro
de folhas, um cheiro de chuva, um raio de luz.
Pela descrição, disseram-me ser alguém 
muito parecida com a vivência,
só poderia ser a tal da Vida.

LuizcomZ
Enviado por LuizcomZ em 12/08/2011
Alterado em 12/08/2011


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