Textos


Jesus na terra das Siriguelas

Recebi hoje pela manhã uma linda travessa com essas frutas
deliciosas. Minha amiga Maria Antonia, a quem chamamos 
desde sempre pelo apelido de Totonha, mãe da Bia e do Luiz
Henrique, casada com o Wander, certamente as colheu e
me enviou, sabendo que sou fã dessa fruta característica das
regiões mais quentes do brasil. Embora, hoje isso já não seja
requisito para se encontrar frutas de todos os tipos em todos
os cantos desse nosso país tropical. Acontece que esse gesto 
me fez lembrar de muitas coisas. Da amiga e conselheira Eni,
por quem tínhamos uma enorme admiração e respeito, pessoa
sincera do tipo, amo ou odeio. Por sorte, ela mais amava que
odiava. Esse odiar na verdade não deve ser conjugado
verbalmente, sobretudo ao pé da letra. É mais uma força de 
expressão. Lembro-me de quando a visitamos em sua fazenda
às margens do Taquari, na região de Coxim, na localidade
denominada Mané Manco. Sem exagero, dava para pescar
da janela do quarto, de tão próximo às águas.
Recordei também, e repito 'tão bem', do Nola, seu marido
e dono de um sorriso largo, sincero e de cumplicidade com
que recebia a todos que os visitavam. Numa das muitas
visitas feitas em suas fazendas, houve uma em que fomos
na fazenda que após a morte do Nola, ficou dividida em
herança, uma parte para a Eni, e lá havia uma bica d'água
cristalina e gelada, que servia de concorrida diversão
e aprazível lugar para um refrescar em dias de calor,
já que o sol de Coxim nunca se fez de rogado, certamente
é um dos lugares mais quentes desse país.
Nessa visita, aconteceu dela contar uma de suas muitas
histórias. Lembra que sempre que estava por lá, durante a
noite ao dormir, levantava e ia andando até a porteira da
fazenda que ficava uns 2 quilômetros mais ou menos da
sede, e isso acontecia de madrugada, sempre em
companhia do 'capitão' um senhor alto e forte que
a acompanhava nessa caminhada.
Acontece que só ela via o tal 'capitão' e um misto de receio
e medo à mantinha segura nessa missão sempre que
era acordada pelo tal vulto, como ela preferia chamar.
O Nola foi primeiro, acometido por uma malária que lhe
consumiu rapidamente o fígado e não houve tempo de
socorro, uma vez que estava em outro estado e não tendo o 
remédio certo, em uma região que desconhecia como lidar
com as doenças tropicais do Norte, quando o filho Fernando
chegou com o antidoto já não foi possível reverter o quadro.
A Eni ainda nos brindou com suas máximas e conselhos por
mais alguns anos. Acometida de uma dengue hemorrágica,
foi juntar-se ao companheiro em meados de 2004/2005.
Mas, a essa altura devem estar se perguntando o que o título
deste conto tem a ver com Jesus.
Jesus é conhecido muito querido de todos nós, exímio
carpinteiro, um mestre de obras fantástico, mas, que tinha
o hábito de frequentar uns inferninhos. Destituído dos dentes
frontais, para não dizer banguela, toda vez que passava umas
garotas bonitinhas e faceiras em frente de casa, ele olhava,
cruzava os braços e com uma das mãos roçando o queixo,
dizia com toda propriedade de um expert no assunto,
a seguinte frase:
- Essas são as gatinhas da boate que eu frequento, são igual seriguela.
Aliás, acho mesmo que foi ele quem inventou essa história
de mulher fruta. Quando ouvi ele falando isso pela primeira vez
quis saber por que.
- São bonitinhas por fora e cheia de bicho por dentro. Respondeu
com um balançar afirmativo de cabeça e olhar fixo, para imprimir
seriedade no que acaba de sentenciar.
É sabido que as seriguelas são carregadas de tapurus, uma
larvazinha branca que se mistura nas fibras da fruta e se não
prestar atenção, a gente come um monte.
Mas é tão gostosa que a gente nem faz conta disso.
Grato pelas frutas e mais ainda pelas lembranças que
me proporcionou, Totonha!

 
LuizcomZ
Enviado por LuizcomZ em 12/12/2013
Alterado em 14/12/2013


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