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A Mosca


A mosca

Por certo não existe nada melhor que uma noite entre um dia e outro. Amanhã vamos ver que o sol está exatamente onde deve estar; que aquele pássaro minúsculo irá começar a cantar às cinco da manhã bem próximo de nossa janela; que o ônibus vai dar aquela freada conhecida e ranheta na parada para levar os primeiros passageiros para o trabalho; que os moto boys vão soltar o escapamento das motos e buzinar estressados querendo passar entre os carros; que tudo recomeça igual e será assim ainda por um bom e prolongado tempo. Por vezes, olhando atentamente para certas situações, pensamos que determinadas coisas são perfeitas, funcionam como um relógio Suíço, ou, como nós desejamos. Sabemos que não é assim. Mas queremos acreditar nisso, na nossa maneira perfeita de ver e obter as coisas. Algumas pessoas tem mais dificuldades para lidar com a adversidade, com o imprevisto. Acabam por reagirem igualmente de imprevisto, por puro instinto. Longe de classifica-las como regras e obtusas, pessoas que sempre agem assim, ou pior, que fingem uma performance para ocultar a sua personalidade menos integradora e um tanto desequilibrada. A verdade é que todos nós saímos dos trilhos de vez em quando. É o tal ponto fora da curva. Sei que o que aconteceu ontem na sala de aula não foi um ato impensado. Nossa colega queria e já havia confidenciado para alguns outros, que faria o que fez e falaria o que de fato falou. Ela mostrou coerência no que havia anunciado e a reclamação faz sentido em alguns pontos. A questão é que a maneira como falou, a entonação de voz e sobretudo, ai o mais agravante, a postura corporal, o corpo fala, convenhamos. Junta-se o tom errado, o volume errado e a expressão corporal inadequada, não poderia dar noutra coisa senão numa metralhadora giratória desgovernada. Mas então, onde a coerência? No conteúdo de sua fala. Pensemos por um instante! Assim como foi colocado por outros colegas sobre a maneira como o professor ministras suas aulas, ela entende que a forma como ele responde é evasiva, displicente e gostaria que fosse mais objetivo. Sim, sim. Não, não. Convenhamos, ela não está de toda errada. Mas apenas quem entende o que o professor quer dizer e sua maneira de ‘dizer’ é que consegue absorver sua didática. Quero mencionar um caso particular ocorrido na aula anterior, quando da cocção do molho sugo. Questionei ao professor sobre a acidez do molho quando colocado o cogumelo, e disse a ele que embora na receita não houvesse o açúcar, se seria de bom tom colocar uma pitada para quebrar a acidez. Ele respondeu da mesma forma que a nossa colega comentou e o imitou. E me olhando com um olhar ‘futurista’, disse sem dizer, que ao final nós provaríamos juntos. Dito e feito. Experimentei o macarrão pronto e a acidez havia harmonizado com o todo. Novamente ele fez aqueles gestos sem dizer coisa com coisa, mas eu entendi o que ele queria dizer, - “‘Tá’ vendo? Não falei que mais pra frente o sabor iria chegar no ponto, faltava o macarrão para diminuir a acidez”. E completou dizendo, “- Se eu coloco o açúcar naquela hora, agora nosso macarrão ficaria doce e o cogumelo não sobressairia.” Ou seja, são maneiras diferentes de interpretar uma mesma informação. Para ela que já está pré-formatada a não aceitar esse tipo de resposta, dói-lhe os tímpanos. A solução é conciliar. Mostrar a ela que a maioria da sala entende de uma maneira diferente da que ela entende. Se aceita ou não é uma questão de sentar e conversar. Não podemos agir da mesma maneira que (veja bem o que se lerá a seguir) ela naquele momento de estresse na sala. Ela já deu mostras de ser companheira, colaboradora, é muito inteligente, já mostrou que tem espírito de liderança (até demais), já vi e ouvi ela em conversas amigáveis e construtivas com vários colegas, portanto, é uma pessoa tão boa e normal como qualquer um de nós, apenas, naquele momento foi picada pela mosca da discórdia verbal, do destemperamento fonético. Aliás, há um palavra que precisamos aprender o significado, embora muito difícil de praticar.
Indulgência.

1. substantivo feminino
1.1.
disposição para perdoar culpas ou erros; clemência, misericórdia.
2.2.
absolvição de pena, ofensa ou dívida; desculpa, perdão.

Na prática, é ver os benefícios que determinada situação ou pessoa possa ter de bom ou proveitoso. Olhar o roto é fácil. Basta olhar para um lençol alvo no varal que encontramos repouso na mancha. Condenamos o lençol inteiro por conta de uma pequena mancha? Ou vamos aproveitar as partes, inúmeras vezes maior que estão limpas? Se colocar no lugar do outro chama-se
Empatia.
1. substantivo feminino
1.1
faculdade de compreender emocionalmente um objeto (um quadro, p.ex.).
2,2.
capacidade de projetar a personalidade de alguém num objeto, de forma que este pareça como que impregnado dela.

Na pratica, não é vestir a camisa do outro, é entrar no outro, é vestir sua pele e sentir o que ele sente. Somos todos iguais, afinal.
Dou graças a Deus por não haver sido eu picado pela mosca da discórdia.
LuizcomZ
Enviado por LuizcomZ em 08/11/2016
Alterado em 08/11/2016


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