O tio do Mário
Na sexta feira, 15 de Dezembro, saímos para caminhar, meu sogro e eu. Ele anda com dificuldade, tem a musculatura um tanto atrofiada devido à situação de saúde pouco satisfatória, faz hemodiálise há 11 anos, ainda tem a agravante de ser cardiopata, seu coração funciona com trinta por cento de sua capacidade, é também diabético, e tem problema de pressão alta. Ou seja, a música que os Titãs fizeram na década de 80, O Pulso, foi pensando nele certamente. Tem de tudo um pouco. Mas, não se deixa abater, tem bom humor, paciência e resignação de sobra. Na volta da caminhada, resolvi que ele deveria subir uma rampa da areia da praia até o passeio público para sentarmos no banco de madeira na frente da casa do Geraldo, nosso vizinho. Lá encontramos o Mário, um japonês de pouco menos de metro e meio, pequeno, franzino, fala miúda e baixa, sempre lento no argumento, mas fala muito. Gosta de contar histórias. As dele, naturalmente. Nesta manhã, ele lembrou um caso interessante e muito tocante. Certo dia apareceu em sua casa uma sobrinha com o pai de arrasto. Entrou e disse tio, fica com o pai, cuida dele pra gente. Como assim?, disse ele, vocês são em três, podem muito bem cuidarem dele. Que que está acontecendo? É que ele dá muito trabalho, ele não anda mais, e a gente tem que trabalhar, fazer as coisas em casa e tem que ficar levando ele para beber água, no banheiro, ele fica só deitado no quarto, se leva ele pra sala, ele fica o dia inteiro no sofá. Cuida dele pra nós. Olhou para ela, para o tio, tinha por esse tio um carinho especial e uma consideração muito grande, guardava boas lembranças de sua infância, sempre o levava para pescar, passear nas feiras. Acabou dizendo para a sobrinha, tá bom, deixa ele aqui. Dias depois já havia marcado consulta com um médico amigo da família, e o resultado foi que o tio não tinha nada de doença ou problema semelhante, estava era em profunda depressão. Como se isso não fosse doença, mas naquele tempo, depressão nem era conhecida como tal. Ainda hoje é difícil de entender e aceitar. Chegando em casa, foi logo dizendo para o tio, seguinte, o senhor vai ter que se ajudar, e estou falando sobre caminhar, se movimentar. O tio não conseguia ir até a cozinha, ao banheiro era preciso ampará-lo, a coisa estava complicada. Tio, o senhor precisa começar a andar. Vai até a cozinha, volta, descansa, faz isso umas três vezes por dia, depois vai até a varanda, depois dá uma caminhada no quintal, até sair na calçada. Precisa fazer uns exercícios tio. Além disso, Mário preparou uma dieta simples e barata com frutas e sucos, eliminou alguns carboidratos, e muita conversa, muitas lembranças, a amizade de outrora fluiu novamente sempre com boas risadas e ótimas lembranças. Certa dia, Mário chega em casa e o encontra eufórico, uma cara muito esperta e alegre. Sabe aquela subida? Então, fui até lá em cima, dei a volta na quadra e voltei. Mário ficou muito feliz por ele e também orgulhoso de sua conquista. Comemoraram. Passados uns meses, o tio tinha que voltar para casa. Mário perguntou se era isso que ele queria, ele respondeu que não mas, já estava na hora. É que lá ninguém, me trata assim. Mário engoliu seco. Fazer o quê, ele decidiu que tinha que encarar a casa novamente e lá se foi. Meses depois, menos de três, voltou para o sofá. Na época, esse tio tinha uns 52 anos mais ou menos. Novo, muito novo.
Amor, carinho, atenção, levantam. Desprezo, abandono, solidão, deprimem.
LuizcomZ
Enviado por LuizcomZ em 17/12/2017