Textos


... sim, eu já!

Nesses sessenta e dois anos, desde que sai da pequena e não tão pacata Ponta Porã, tenho visto um tanto de coisas.
Para chegar onde cheguei, para ser o que sou, reconhecido como tal, dei muitos passos, percorri muitos caminhos, ouvi muitas histórias, pisei muitas estradas, percorri alguns rios e velejei algumas milhas náuticas.
Sobrevoei muitos monumentos, cidades, algumas que nem mais existem, outras que cresceram tanto que as não reconheço mais. Flores, plantas, gramados, vi florescer e os vi secarem. O Taquari e o Coxim já não são nem a sombra do que conheci. Pássaros perdi a conta de quantos ouvi e pude segui-los com o olhar. Gaivotas, pelicanos, colibris, rolinhas, bem-te-vi, João de barro, assum preto, quero-quero, corujas, papagaios, arapongas, seriemas, tuiuiú, beija-flor. Perdi a conta. Os cães eu demorei a entendê-los, gatos, vacas, cobras, formigas, vai-se aprendendo. Vi construções enormes, pontes de todo jeito, concreto, suspensas, de toras, até de ferro. Andei de bicicleta, carro, patinete, rolemã, skate, patins, descalço. Descalço comecei a jogar bola nos terrenos baldios, de chuteiras pisei gramados sem fins, partidas venci, perdi, campeonatos ganhei, medalhas e troféus colhi, até pênalti em decisão perdi. Andei de trem, litorina, bagual, conheci e joguei bola com o dono deste último verso, Almir Sater, conterrâneo. Vi coisas grandiosas como o Grand Canyon, as Cataratas de Niágara, Foz do Iguaçu. Vi alvorecer andando, sentado, deitado. Entardecer, caminhando, espreguiçando, cantando. Aurora Boreal, degelo nas cordilheiras, no Evereste, na Antártida. Maremotos, ventanias, correrias, trovões, tempestades, sobrevivi algumas. Não, não estou exagerando. Este que vos anota, vem interar sessenta e dois anos, mas o que vive em mim já viu muito mais do relatei. Seguramente ainda verá outro tanto. Passei um bom tempo à espera em fazer parte deste lugar. A fila era e continua grande. Muitos que vieram não deram conta do compromisso. Alguns desistiram de forma pouco nobre. Outros cumpriram com maestria a missão. Penso que estou no caminho. Vez por outro escorrego para uma margem ou outra. Ando com passos lentos. Não é preciso correr, o que é para ser, assim será. Viemos sós, e sós voltaremos. Compreender nossa jornada é algo que demanda tempo e sabedoria. Tempo, penso que tenho, mas não controlo. Sabedoria é coisa do dia-a-dia. Não se guarda, se doa. Já ouvi há muito tempo que dar é melhor que receber. Que a natureza se refaz ainda que a maltratemos. Que ficará, e nós, dela dependeremos até aprender a lhe respeitar. Qual a mente mais inteligente capaz de saber que dentro de uma minúscula semente, se esconde um gigantesco Baobá? Como saber quando uma célula repele o que não é bom e acolhe o que lhe apraz? Quem lhe deu esse dom? Por que as folhas caem no outono e voltam vigorosas na primavera? Quem controla a Mimosa pudica? Dirão os entendidos que ao receber o estímulo externo, o potássio e o cálcio a irrigam sua célula com água o que lhe permite a retração e expansão. Mas quem lhe deu essa característica muito antes de se saber Hominal? Como disse, já vi muitas coisas, ouvi, senti, chorei, sorri, fiz, deixei por fazer, nem comecei, terminei, reconheci, me fiz leigo, amparei, desprezei, socorri, sufoquei, aproximei, separei, fiz nascer, fiz morrer, desejei, rejeitei, chamei, xinguei, assoprei, cuspi, abracei, repeli, recebi, enxotei, dormi, acordei, nasci, morri, renasci, e ainda tem muita coisa que não vi. Só sei que vivi. Espero que amanhã a partir das 8 horas da manhã eu comece um novo ciclo, um novo ano, o sexagésimo terceiro destas muitas vidas já vividas. Ainda me falta uma coisa nesta vida, conhecer a semente de um dos frutos que plantei.
LuizcomZ
Enviado por LuizcomZ em 25/09/2020
Alterado em 25/09/2020


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