Olhando para o passado recente, o que vale a pena lembrar, ou de quem?
Diga um nome, especificamente. Aquele a quem se lembra com clareza, sua fisionomia, seus traços, detalhes.
Aliás, notou que os rostos, quando lembrados, não conseguimos fixá-los por mais que alguns segundos?
Todos, mesmo os que mais queremos manter vivos em nossas memórias, tal como ocorre nos sonhos, eles somem completamente ao levantar, é como se a cama nos ligassem a eles. Ao sentar na beira da cama, o sorriso, o olhar, o rosto, aqueles momentos maravilhosos de alguns minutos atrás, segundos talvez, desaparecem. Durante o café já nem lembramos, sequer, que sonhamos.
Então, será que não os amamos mais, não nos são mais importantes? Desses, quantos realmente você ainda consegue lembrar?
E pensando bem, quase não nos reconhecemos mais em relação ao que éramos.
Veja um vídeo, olhe uma foto sua em uma determinada festa, ocasião, será você mesmo?
Naquele tempo, assim como agora, como teria sido em sua visão futura aquele de outrora e que hoje já não se reconhece ou pelo menos não é visto como desejaria. Os amigos podem ser os mesmos, a maioria com os mesmos trejeitos, manias, e até a voz pode ser a mesma, mas você, como é visto por eles?
Sabendo que apenas você sabe o que passou e o que fez para chegar até aqui, quais os segredos de cada um que eles mesmos os vê em você, ou imaginam ver? Intrigante, não é mesmo?
Quais mistérios você esconde? Somente sua consciência sabe as respostas de muitas perguntas ao longo da vida, que nem mesmo quem esteve mais próximo e junto a você por tanto tempo conseguiu ouvir, e partiu sem saber. E quando partires, quanta informação levará sem revelar aos que ficarem. Mesmo as mais simples, aquelas que achava que não interessaria por serem bobagem, coisa atoa. E numa autoanalise, tudo o que sempre condenou, de repente já não tem mais importância, é besteira. É passado. Não adianta mais querer ter razão.
Algumas vezes meteu o pé na jaca, chutou o balde, e de que adiantou?
Os desafetos continuam todos por ai, em algum lugar, não sabem de você ou se você ainda está vivo, que fim levou. Mesmo os familiares, até os mais próximos, aqueles com quem dividiu quarto, cama, a mesma mesa do café, almoço, jantar, por onde andam? Aliás, quem são? Pensando bem, melhor parar por aqui, ir lá fora, pegar uma cadeira, um livro, olhar o horizonte, buscar nas estrelas um pouco de conforto, dar um passeio, talvez a resposta que não encontrou até aqui possa estar lá fora, fora de você. Faz o seguinte, acalme seu coração, deixe a brisa passar por você como uma vassoura invisível, se deixe limpar, as coisas se resolvem por si só, mesmo contra nossa vontade. É, somos falíveis. Mas nisso tudo tem algo de belo, de divino. A constatação dessas lembranças é a prova de que vivemos da maneira que era possível viver, fizemos o que estava ao nosso alcance fazer, passamos por tudo isso por nossas próprias escolhas, se erramos nessas escolhas, ainda assim, o nosso entendimento naquele momento era o mais acertado para seguir em frente. Não pense que se tivesse a chance de voltar no tempo as coisas seriam diferentes, seriam iguais, o que é motivo de alegrarmos, afinal, de outra forma talvez não estaríamos aqui olhando para trás. Aquilo que não nos mata imediatamente, só nos fortalece¹. Siga em frente, não carregue o que não lhe agrade. Veja com quem você está hoje!
¹ F. Nietzsche