Louças Sujas
Quando pequeno, sete anos mais ou menos, ficava
observando as coisas em casa como toda criança
nessa idade. Percebia nas festas ou naqueles domingos
em que todos se reuniam para uma macarronada,
que logo após o almoço, as coisas iam se acomodando
naturalmente e sempre uma ou outra pessoa da família
encostava na pia e ficava conversando e ajudando na limpeza.
Minha mãe começava a lavar a louça e alguém sempre com
um pano de prato à mão, ficava secando e conversando
alguma coisa do tipo ‘nada de importante’, mas, sempre era
bem vinda pela simples razão de fazer o tempo passar.
Nada de diferente nisso, as mesmas coisas eram
rotina nas casas dos meus primos e vizinhos.
Cresci, casei e tive filhos, exatamente nessa ordem.
Pude perceber que as coisas não mudaram
muito de lá para cá e que aos poucos eu mesmo
repetia o ritual sempre que tínhamos louças sujas e
aos montes para lavar. Somente que eu, sem notar
o porquê, comecei a selecionar as peças.
Separava pratos, copos, panelas, talheres, e nesse último
item, colheres, garfos e facas, exatamente assim.
Após isso, colocava-os enfileirados e pré-limpos,
vamos utilizar esse termo, retirava sujeira passando de leve
uma esponja com água corrente, para depois começar a
lavar propriamente. Minha esposa sempre se incomodou
com essa atitude.
Costumava dizer: "- Se pelo menos tivéssemos máquina
lava-louças, não precisava ser uma Brastemp, teria até
sentido ficar ajeitando as coisas dessa maneira." Nem eu
mesmo sabia o porquê desse ritual, apenas fazia e faço
até hoje. Ainda não compramos o lava-louças dos sonhos
dela, mas a Mallory faz tudo o que a outra promete.
O que tudo isso tem a ver com nosso dia-a-dia?
Quando tudo parece ter desabado em nossas cabeças,
nada dá certo, só o fato de sair da cama pela manhã já é
motivo de chateação, problemas no trabalho, na escola,
com o carro novo, o vizinho, com os filhos, doenças, banco,
cartão de crédito, limite estourado e a cabeça estourando
junto, é nessas horas que ‘a louça suja da pia’ entra em cena.
Tal como no exemplo, separo os problemas por grau de
importância. Analiso com calma e bom senso suficiente
para não esquecer que, comigo aqui ou não os problemas
continuarão acontecendo e seguindo seu curso.
Principalmente se eu tenho interesse em participar da vida
daqueles que fazem parte de minha vida. Paciência.
A paciência é de fato a mãe de todas as virtudes.
Paro, tomo fôlego, reflito. Nada acontece por acaso.
Conscientizo-me de que tudo tem solução.
Alguém já disse: ‘O que não tem solução, solucionado esta!’
Primeiro, minha saúde! Administrar meus problemas, ou as
várias ‘pias sujas’ que encontrarei pela frente. Acredite,
‘elas’ sempre existirão. Convém lembrar, não fazer apologia
ao descaso e à irresponsabilidade. Nada disso.Os problemas
são meus e eu deverei resolvê-los.
Recordo-me de um conhecido, um empreendedor, com a vida
sempre atribulada, sua empresa sempre na contramão da
normalidade, fatos isolados na maioria das empresas,
por lá era rotina. Impostos atrasados, duplicatas vencidas,
cobranças judiciais e intimações trabalhistas se avolumavam
em sua mesa, sem contar os ranca-rabos diários com
colaboradores e cobradores, para não mencionar os atrasos
na entrega de matéria prima e ausência de funcionários tidos
como indispensáveis em determinados momentos.
Num dia de turbulências, indaguei sobre como ele conseguia
chegar todos os dias com o rosto tranqüilo e sempre no mesmo
horário, sem olheiras e com cara de quem teve uma ótima noite?
Respondeu: ‘- Seguinte, sempre antes de dormir faço minha
prece e converso com Deus. Peço a Ele que ‘segure’ meus
problemas até o dia seguinte, que preciso dormir e acordar o
mais descansado possível para dar jeito nas coisas, já que os
problemas são meus e cabe a eu resolvê-los, mas para isso
preciso dormir, e bem. E acrescentava: ‘- Não posso deixar
para minha mulher e meus filhos, nada a mais de problemas
dos quais eles já tinham antes de me conhecer.’
Uma década depois dessa conversa, morando em outro estado,
tive notícias de que sua empresa vencera as turbulências e
prosperara para duas novas filiais.
Lembro-me que os problemas são, antes de qualquer coisa,
individuais; mesmo os coletivos, nascem em algum ponto
específico. A questão é, como encará-los sem sucumbir antes!
Tenho por obrigação levar a vida o mais longe e saudável
possível, criando condições de realizá-la plenamente
e deixando bons exemplos disso. Não vale a pena roubar os
melhores momentos de minha vida só porque não soube
‘lavar a minha louça suja’.