Textos


INTERIOR

Praça central. Igreja abarrotada.
É domingo.
Sapato preto lustrado,
Terno de linho branco
O sino se faz ouvir
Hora da reza.
Fé cega. Paciência. Sermão dominical.
Só esperar e conferir.
Pelo pão,
Pelo amanhã, pelo são.
Por hoje, pelo irmão.
289.
É o carro da coleta do lixo.
Bem no horário.
Sabem rezar?
Rezem para o lixo não acabar.
Antes o desassossego que o desemprego.
La dentro. Segue sermão.
Acorda ‘mininu’. Vigário ‘ ti oiando’
Domingo tem quermesse.
Hora da graça. Aperto de mão.
Que saco?
O da coleta. Da caixinha pro-fundo da igreja do vigário!
Acho que tem vírgula nessa frase. Onde?
Depois da igreja! Deixa pra lá.
Não precisa ir tão fundo.
Que mundo! Até pra falar com Deus tem que pagar.
Lá fora, na praça, bancos de mármores doados pelos comerciantes.
Vai graxa ai doutor? Quanto é?
Três reais. Faz por dois. ‘Num’ dá. A pasta muito cara.
‘Tá’ certo. Cuidado para não borrar as meias.
Tem perigo não ‘seu’ douto. Sou mestre no ofício.
Com samba ou sem samba?
Com samba, claro.
Mais ‘cinquentinha’. Segue sem samba mesmo.
Pipoca! Pipóquinha da hora. Vai um, doutor?
Três reais. Também? É o milho!
Já sei. Também tá caro.
Deu o sinal.
Final da missa.
Vão com Deus, meus filhos!
Vestidos de rendas. Crucifixos. Bíblia sagrada.
Jornalzinho da mocidade cristã.
Atravessando a praça. Igreja ficando para trás.
Só noutro domingo.
- Cuidado o carro seu ‘fiu dum cão’!
- Tô vendo pai...
- Dê cá essa mão!
Há pouco falavam com Deus.

*escrito em Várzea Grande-Mt em 06-01-84
LuizcomZ
Enviado por LuizcomZ em 20/05/2008
Alterado em 03/12/2019


Comentários