Esta crônica foi escrita domingo 03 de Abril de 2011 às 17:48
Postada em 'Meu Diário' www.luizcomz.com/blog.php
no Site do Escritor no mesmo dia às 19:39.
Na terça-feira, dia 5, meu filho me acordou por volta das 07h48
dizendo para levantar e ir falar com a avó, minha mãe, que
ela estava chorando pois a irmã, minha tia Haydè havia acabado de
ligar avisando que a irmã mais velha Záira, havia morrido na noite
anterior. Záira é mãe de Zaíra que é mãe de Claudinha, irmã de
Alexandre e Gabi.
No mesmo telefonema tia Haydè, comentou que naquele final de
semana a Claudinha esteve em Porto Velho apitando jogos
numa competição estudantil num ginásio de esporte.
Por acaso, em frente ao portão de minha casa.
Porque calamos?
Neste domingo quando estava na fila do supermercado
próximo de casa, deparei-me com um rosto familiar e
extremamente lindo. Sem exageros, um rosto limpo,
sem maquiagem, cabelos presos tipo rabo de cavalo que
deixava toda a expressão facial às claras, o que permitia
uma contemplação generosa de toda a beleza daquele
momento. É provável que isso tenha me deixado extasiado
a ponto de não abrir a boca para perguntar seu nome e se
era quem eu imaginava ser. Até porque, para abrir a boca
eu teria que fechá-la primeiro. Acho deselegante e uma
invasão de privacidade fixar os olhos em alguém sem que
a outra parte o tenha consentido por uma reciprocidade
qualquer. Vi uma menina tão linda, forte e viva que fui
jogado ao passado; há pelo menos uns 45 anos atrás.
Nessa época morava com minha família em Ponta Porã -
MT hoje MS, na divisa com o Paraguai. Conheci uma menina com
os mesmos olhos e a mesma beleza. Mas havia uma grande
diferença entre elas. A menina de minha infância era frágil,
delicada e muito mimada pelo pai. Era criada com exagerado
zelo, que mais parecia uma boneca de porcelana. À mesa,
os irmãos e os primos não podiam olhá-la, pois logo vinha
bronca irremediavelmente seguida de um tabefe.
Todos na mesa eram obrigados a comer de tudo sem
reclamar ou fazer caretas. Ela comia o que queria e a
hora que queria. Ai de quem fizesse um comentário.
Minha família mudou-se para outra cidade e nos
distanciamos por um longo tempo. Guardava comigo
daqueles dias confusos e cada vez mais distantes da
realidade a impressão de que aquela menina linda e
delicada teria dias normalmente mais duros do que
a vida costuma oferecer. No meu imaginário, ela teria
muitas dificuldades e sofreria por ser privada de
aprender desde muito cedo que a vida se constitui de
perdas diárias. Ela cresceu, casou-se, teve filhos e em
especial uma filha que, buscando pela minha longeva
massa cinzenta, era tão linda quanto à mãe e delicada
em igual proporção. De fato herdou toda a beleza da
mãe sem o menor pudor. As comparações para seus
períodos de infância param por ai. Sua filha desde muito
cedo se mostrou forte, decidida e obstinada. Buscou
atividades totalmente radicais para uma menina de doces
trejeitos à época. Fez montaria em bois e cavalos com tal
destreza que acabou virando cowgirl campeã de rodeio.
Mais tarde, formou-se em educação física e especializou-
se em árbitro de futebol. Decididamente não tinha nada a
ver com a mãe no quesito comportamento. A mãe por sua
vez sofreu as agruras que a vida impõe a todos nós.
O casamento complicou e com o tempo já não era mais
conveniente mantê-lo. Passou a ser seu próprio arrimo.
Mas, ao contrário do que minha parca imaginação construiu
daquela imagem da infância, a mãe superou-se em muito
ao que eu por minha conta imaginei de difícil labuta.
Superou-se em tudo e a todos.
Não só sobreviveu como soube viver. Tudo isso me ocorreu
naqueles poucos minutos e a uma distância menor ainda
entre a menina bonita e eu naquela fila do caixa.
Lembro-me que havia uma colega com ela e trazia no
dedo uma aliança de prata com duas letras em destaque,
não sei se iniciais ou sigla do estado de origem: MT.
Percebi ainda que trajavam uniformes. Short e camiseta
na cor preta. Ainda sem querer encarar, imaginei a princípio
ser uniforme de atividades físicas militar. Depois decidi que
seriam esportivos como os de árbitros de futebol.
Olhando para aqueles olhos pretos e ávidos, guardando
sempre o cuidado de não ser percebido, notei por um breve
momento que ela vivenciaria junto com a mãe uma situação
difícil e dolorosa para superarem. A mãe antes frágil, serviria
agora de ponte segura para a travessia desse rio caudaloso
e turbulento que são as perdas que a vida nos reserva,
como havia mencionado na construção do perfil infantil.
A propósito, ambas nunca perderam a meiguice, doçura e
o tempo mostrou-se extremamente cúmplice com a beleza
delas. Eu sim perdi a oportunidade de perguntar o nome
daquela menina. Talvez fosse a filha da minha prima Zaíra,
a Claudinha. Mas, por excesso de zelo e educação, calei.
O medo me derrotou neste domingo.
Por medo de pagar mico nunca vou saber ao certo.
Porque nos calamos quando sabemos que devemos nos
arrepender das coisas que não fazemos e não o contrário?
Foto: 1996 - (em pé) Rose, Zuleica, Claudinha, Elmer, Irya, Zaíra, Alexandre, Walkiria, Ninie e amigo; (sentados) Luizcomz, Eric, Mendel com Augusto no colo e Záira Catharina Portella (in memoriam)
Música: The four seasons - Spring (Vivaldi)
LuizcomZ
Enviado por LuizcomZ em 08/04/2011
Alterado em 17/07/2012